Prazo para Colapinto na F1 expõe crueldade e liga alerta sobre contratos a curto prazo  

O caso de Franco Colapinto exibe sinais preocupantes: será que vamos nos deparar com uma Fórmula 1 em que, por exemplo, três pilotos se revezem em um único posto em uma mesma temporada, como a Alpine está pensando em fazer esse ano?

A Fórmula 1 é um esporte cruel. Sempre foi, na verdade. Antigamente, a brutalidade era esmagadora, principalmente pelo fato de que pilotos morriam na pista com frequência. E então, em grande parte devido à morte de Ayrton Senna, as tragédias constantes chegaram ao fim. Mas a crueldade não terminou — ela permanece na forma da pressão incansável sobre pilotos e equipes —, e, agora, o esporte parece tomar um novo rumo — ou melhor, já avança nessa direção — que deve intensificar ainda mais essa pressão e a cobrança.

Com sorte, as consequências desse novo normal não incluirão perdas fatais como no passado, mas serão visíveis. Só nas últimas semanas, viu-se a palhinha do quão destrutivas essas consequências podem se tornar.

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Mas vamos começar pelo começo, com Daniel Ricciardo, que não conseguiu terminar o contrato que tinha com a Racing Bulls na Fórmula 1 e foi substituído por Liam Lawson em outubro de 2024 — depois do GP de Singapura, ou seja, com a temporada em andamento. O contrato de Liam claramente incluía uma cláusula que permitia à Red Bull indicá-lo para uma posição em qualquer uma de suas equipes a qualquer momento. Ele manteve um bom rendimento durante 2024 e foi promovido para o time principal, substituindo Sergio Pérez, que também teve acordo rescindido.

Ainda assim, apesar de todo o drama, parecia tudo parte do velho paradigma por três motivos. Primeiro, tanto Daniel quanto Sergio tiveram várias corridas em 2023 e 2024 para dar a volta por cima e continuar na Fórmula 1. Se os carros estavam à altura desse objetivo, são outros quinhentos. Segundo, até o final do ano passado, ambos estavam em uma posição que deixava margem considerável para retorno. Essas chances aumentaram para Pérez nos últimos meses, com a Cadillac claramente mostrando interesse nele. Daniel, por outro lado, parece estar fora de cogitação porque ele mesmo não quer voltar. Terceiro, a comunicação cacófona da Red Bull em torno dessas decisões mostra na verdade que, até mesmo para eles, ainda não é intuitivo se desfazer de pilotos dessa forma. Christian Horner e seus colegas ainda estão operando sob o paradigma anterior, no qual contratos se estendem por anos e, como é de se esperar, não terminam antes da hora.

Franco Colapinto tem contagem regressiva na Fórmula 1 (Foto: Alpine)

Mas o que se viu no grid em 2025 parece novidade. Liam perdeu lugar depois de apenas duas corridas, certamente muito ruins. A Red Bull demonstrou mais determinação tanto na decisão quanto no anúncio, que teve um tom mais duro e direto.

Enquanto isso, a Alpine também teve uma confusão para chamar de sua. Um boato persistente de que o contrato de Jack Doohan somente duraria até o início da etapa europeia da temporada 2025 começou a circular quase que imediatamente após a assinatura. As pessoas já estavam especulando que Flavio Briatore, então conselheiro-executivo da Alpine, não estava muito entusiasmado com a escolha e estava mais de olho em Franco Colapinto.

A fofoca se provou realidade: Franco realmente substituiu Jack a partir de Ímola, mas ele próprio recebeu um prazo de cinco corridas para se ajustar à equipe e começar a mostrar algum resultado significativo. Exatamente isso: significativo. Apenas resultados melhores que os de Jack poderiam garantir mais aparições de Colapinto, e Doohan não vinha com uma performance desastrosa, apesar de erros. Vários exemplos já foram vistos de pilotos com desempenho similar ao de Jack que conseguiram alongar presença por uma ou várias temporadas, dependendo do apoio dos patrocinadores.

Mas eis que Briatore negou ter mencionado cinco corridas para Franco, contradizendo o comunicado da Alpine, porém quem gravou o áudio no paddock naquela época se lembra de tudo. Quando Colapinto bateu durante a classificação em Ímola, os jornalistas estavam no cercadinho reservado à imprensa escrita, e um colega holandês comentou: “Agora faltam quatro.” A sentença soa fria e brutal, ainda mais considerando que o fim de semana deveria ser de comemorações para o piloto argentino, já que ele tinha acabado de conquistar seu lugar.

O máximo que Franco pode esperar agora é certa flexibilidade: se a decisão parece questionável, pode ser que ele consiga uma margem de corridas um pouco melhor. Mas essa flexibilidade pode prejudicá-lo também: se continuar batendo, Colapinto pode perder o posto mais cedo.

Em 2025, então, as equipes se deram conta: “Quer saber? A gente pode fazer isso.” Você pode rebaixar um jovem piloto depois de apenas duas corridas. Você pode oferecer a alguém cinco corridas, ou até menos, e essa pessoa não terá como dizer não. Se Liam tivesse deixado o sistema Red Bull antes do GP do Japão, ou se Franco tivesse se recusado a competir pela Alpine, todos no paddock — e provavelmente na Nova Zelândia e na Argentina — teriam condenado os dois. Oportunidades como essa são extremamente raras, então as escuderias exploram a exclusividade das ofertas e as posições de desvantagem dos pilotos nas negociações.

Liam Lawson só teve duas corridas na Red Bull antes do rebaixamento (Foto: Red Bull Content Pool)

Não é de se surpreender que essa tendência seja visível em duas escuderias cujos líderes são conhecidos pela impiedade: Horner, Helmut Marko, Briatore. Alguns podem dizer que é um traço de suas personalidades, e que a tendência não vai se espalhar. Mas se contarmos a Racing Bulls, as equipes já somam praticamente um terço do grid, isso sem falar na Mercedes, uma vez que Toto Wolff nem sempre foi gentil com seus pilotos. Ele manteve George Russell na Williams por muito mais tempo do que vários esperavam (especialmente agora, pelo quão rápido ascendeu Andrea Kimi Antonelli).

Vários chefes do paddock são conhecidos por tomarem decisões duras, e quase todos os demais chegaram aonde estão depois de serem subordinados desses três. James Vowles e Andy Cowell foram pupilos de Wolff. Jonathan Wheatley é um parceiro de longa data de Horner e Marko. Todas essas pessoas foram totalmente influenciadas ao longo das carreiras por chefes rigorosos. Poderíamos ainda mencionar Graeme Lowdon, o novo chefe da Cadillac, que em 2015 supervisionou Alexander Rossi na Manor Marussia também por cinco corridas.

Não há garantia de que esse legado levará à adoção generalizada de contratos de curto prazo — com certeza não por parte dos pesos pesados, que jamais assinariam nada que dure menos de um ano. Mas alguns sinais preocupantes, para pilotos de baixo calibre, já estão aparecendo. Será que a F1 não corre o risco de se deparar, por exemplo, com uma situação em que três pilotos se revezem em um único posto em uma mesma temporada, como a Alpine está pensando em fazer esse ano?

Agora imagine estar na pele de Jack Doohan. Você foi rebaixado, perdeu a chance de correr, e está se sentindo frustrado, com raiva. Você esperaria compreensão. Infelizmente, nem todo mundo responde dessa forma, e os problemas não acabam por aí. Um número considerável de fãs é incapaz de reagir de maneira apropriada a mudanças abruptas como as que afetaram Lawson e Doohan. Pelo que se sabe, alguém falsificou e postou uma captura de tela mostrando Mick Doohan, pai de Jack e lenda do Mundial de Motovelocidade, supostamente reagindo com um emoji de risada à batida de Colapinto, o homem que substituiu o filho dele na Alpine. Alguns fãs argentinos e outros ao redor do mundo responderam com ameaças direcionadas tanto a Mick quanto a Jack nas redes sociais. Antes que a imagem fosse desmentida, Doohan recebeu uma enxurrada de insultos. A história saiu do controle, e ele precisou divulgar um posicionamento oficial exigindo que parassem de assediar sua família. Quando perguntei a Charles Leclerc e Pierre Gasly na última quinta-feira (29) o que achavam do abuso sofrido pelos Doohan, eles, é claro, condenaram o assédio.

Jack Doohan voltou para a reserva da Alpine após seis corridas (Foto: Alpine)

Mas esse não foi um caso isolado. Depois que Pérez foi substituído por Lawson, várias fotos de Liam em suas contas oficiais receberam comentários como, “Alguém realmente gosta do cara? kk” (131 curtidas), além de indiretas ainda mais afiadas — os moderadores apagaram as piores. Podem vasculhar as contas da F1 e da Red Bull no Instagram até o último inverno europeu para verem com os próprios olhos.

Não só os pilotos não estão prontos para a era dos contratos de curto prazo, se ela se concretizar. Os fãs tampouco estão preparados para isso, e a negatividade de alguns pode impactar as equipes e certamente os pilotos. Se até Nicholas Latifi recebeu uma onda de ameaças de morte após o GP de Abu Dhabi em 2021, simplesmente porque criou um cenário apropriado para uma troca na liderança da corrida ao bater, então os ataques a Jack e Mick Doohan não nos surpreendem.

Quando escuderias começam a implementar políticas que desagradam os pilotos, não há muitas maneiras de resistir. Uma das poucas opções é contestar publicamente. Giedo van der Garde foi um dos três pilotos que assinaram com a Sauber, especificamente Monisha Kaltenborn, para 2015, embora a equipe tivesse, é claro, apenas dois carros. Giedo processou o time e depois admitiu ter arruinado a própria carreira com a decisão. Mas pelo menos por enquanto, nenhuma escuderia assinou com três pilotos para dois assentos.

Da mesma forma, uma mudança na direção de contratos mais curtos poderia ser barrada, em teoria, por alguém como Isack Hadjar, recusando-se a ir para a Red Bull por apenas algumas corridas. É claro que, na realidade, ele aceitaria essa oferta se a recebesse, pelos motivos que já mencionamos. Mas não é impossível imaginar um piloto particularmente amargurado levando a história aos tribunais ou à imprensa.

Descobriremos ao longo de 2025 se contratos de curto prazo se tornarão a nova tendência na F1 — e receberemos uma pista logo nos próximos meses, quando o período de teste de Colapinto chegar ao fim. Agora faltam três.

Fórmula 1 volta de 13 a 15 de junho no Canadá, décima etapa da temporada 2025.

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