Na Garagem: Senna conta com dose de sorte e vence GP de Mônaco pela 6º vez na F1

Ayrton Senna aproveitou problemas de Alain Prost e Michael Schumacher para vencer a quinta seguida e sexta no geral em Monte Carlo

Galvão Bueno narra a "melhor primeira volta da história da F1" de Ayrton Senna em Donington Park (Vídeo: F1)

O tempo, definitivamente, não é um confidente de quem teme vê-lo passar. Já faz 30 anos, três décadas completas, que Ayrton Senna se tornou o maior vencedor de toda a história do GP de Mônaco. Foi naquele domingo, um dia 23 de março como hoje, que o tricampeão mundial conquistou a sexta vitória em Mônaco e superou o recorde lendário de Graham Hill, traçado em 1969.

Foi o ato final de Ayrton com o local no qual mostrava maior controle do tempo e espaço. A sintonia era tamanha que, mesmo que não tivesse um grande carro para competir e que as condições de Mônaco, bem como se sabe, não permitisse, já àquela época, as maiores peripécias do mundo, as circunstâncias pareciam conspirar. Um sucesso conjurado, praticamente imparável e inabalável.

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Naquele 23 de março, Senna não tinha um grande carro e não era o favorito, mas deu sorte. O resultado da sorte foi não apenas a sexta vitória no evento, mas a quinta seguida. Àquela altura, Ayrton se tornava o maior vencedor num mesmo evento em todos os tempos, bem como o maior vencedor do mesmo evento em edições seguidas.

Há um número derradeiro, estatística de destaque, para tirar daquela prova: foi a última vez que Senna assumiu a liderança do Mundial de Pilotos da Fórmula 1. Na prova seguinte, Alain Prost retomaria a dianteira para não mais perder, mas o registro fica. Ali, na favorita das praças, Ayrton viveu o crepúsculo dos tempos em que foi dominante no Mundial.

Ayrton Senna assumiu a liderança da F1 pela última vez com a vitória em Monte Carlo (Foto: Reprodução/Reddit)

A TEMPORADA 1993 ATÉ ALI

O campeonato começou com a demonstração sem qualquer expectativa de que a ordem de forças mudaria muito, apesar da Williams ter decidido ir adiante e contratar Alain Prost mesmo que significasse a saída do campeão de 1992, Nigel Mansell, dos quadros. Prost teria a companhia de Damon Hill, confirmando a mudança completa da dupla de pilotos. Mas o carro… Esse continuava espetacular, agora batizado de FW15C.

Prost, que ficara fora do grid em 1992, após conturbada saída da Ferrari, voltava voando do ano sabático. Venceu a abertura do campeonato, na África do Sul, e colaria pole-position nas duas corridas seguintes. Mas Senna venceu as duas. Tanto no Brasil quanto no GP da Europa, em Donington, a chuva permitiu Senna a buscar um resultado improvável em condições normais.

Em Interlagos, Prost ficou tempo demais de pneus slick na chuva e acabou rodando antes de se envolver num entrevero com Christian Fittipaldi. Hill não conseguiu segurar Senna, que cresceu e venceu após o fim em pista seca. Em Donington Park, pista totalmente molhada para uma das grandes exibições da carreira de Ayrton. Com o destaque para 'A Maior Primeira Volta de Todos os Tempos', tomou a dianteira e venceu com requintes de genialidade.

Mas a situação voltaria ao normal nos GPs de San Marino e Espanha, quando Prost foi pole e venceu. Na realidade, Prost foi pole nas primeiras sete provas do ano e em 13 das 16 definições do grid de 1993. O francês recuperava a liderança do Mundial e seguia em frente para Mônaco, a sexta prova. Senna abandonara com problemas hidráulicos em Ímola, mas conseguira terminar na segunda posição das outras duas provas em que não venceu. Naquele ponto, havia briga pelo título.

Michael Schumacher liderava o GP de Mônaco de 1993 com Ayrton Senna em segundo (Foto: Benetton)

MÔNACO, ENFIM

A verdade estava clara: apesar das quatro vitórias seguidas e cinco nos últimos seis anos, Senna sabia que vencer era altamente improvável, apesar do caso de amor que tinha com a pista e a cidade, onde morava. Especialmente porque a vitória de 1992 já havia vindo com dose forte de sorte, com um pneu solto da Williams de Mansell perto do fim.

“Correr em Mônaco é diferente. Suas estreitas ruas são um desafio constante para o piloto. É preciso raspar os pneus nos guard-rails para ser rápido. Não se pode perder a concentração nenhum segundo. Enfim, é um grande desafio para os pilotos. Eu, particularmente, gosto muito de correr aqui. Fui o primeiro brasileiro a conquistar uma vitória em Mônaco e venci as quatro últimas. É uma emoção muito grande, que gostaria de repetir este ano”, afirmou antes do começo das atividades de pista, em entrevista curada atualmente pelo site Senna.com.

Na quinta-feira de treinos livres, péssima notícia: Senna escapou com o carro, bateu no guard-rail e sofreu luxação no dedão da mão esquerda.

“O que aconteceu foi o seguinte: eu tinha dado apenas seis voltas, a pista estava seca e o carro rendia bem. No final da reta dos boxes, eu vinha com toda a potência, sexta marcha aproximadamente 270 km/h, a traseira do carro tocou no chão, bem em cima de uma ondulação", apontou.

"Eu tenho a impressão que as rodas traseiras perderam o contato com o solo e o carro deu uma guinada de 90° para a direita e entrou no guard-rail, um impacto bem forte. Depois disso, ele ricocheteou e bateu do outro lado da pista e, uma terceira vez novamente no lado direito. Foram três impactos frontais a toda velocidade, porque, no ritmo que eu vinha, não deu para frear. Eu bati praticamente acelerando”, contou.

De lá até a classificação, muito gelo e massagem no dedo, além da aplicação de pomada de cortisona. Foi o suficiente para fazer a situação melhorar um pouco, mas não era milagre: não havia como superar Prost na classificação. Desta feita, o francês fez a pole e foi seguido por Michael Schumacher, no segundo lugar. Senna foi o terceiro, 0s995 mais lento.

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Ayrton Senna comemorou a vitória do GP de Mônaco de 1993 (Foto: Reprodução/Reddit)

O primeiro grande momento de definição da prova viria na largada. Prost se adiantou para defender a liderança, algo que vale ouro em Mônaco, mas saiu cedo demais e queimou a largada. Resultado: Stop & Go de 10s. Para piorar, quando Alain finalmente parou para cumprir a punição, na volta 12, o motor Renault da Williams morreu. Quando o líder do campeonato saiu dos boxes, estava uma volta atrás do novo líder, Schumacher.

Senna fazia corrida sem sobressaltos, em especial com a quase imediata situação de Prost. Em segundo, assumiria a liderança do campeonato: fazia pouco sentido arriscar demais a um novo acidente numa pista com chances pequenas de ultrapassar, até porque Schumacher impunha ritmo forte numa rápida Benetton.

A briga pela vitória sequer acontecia. Schumacher tinha o troféu nas mãos, seguido, já com certa distância, pelo tricampeão. O entretenimento do dia era Prost, singrando o pelotão enfileirando ultrapassagens para tentar voltar aos pontos. Não tinha quaisquer chances de chegar ao pódio, mas acelerava tudo para alcançar ao menos o sexto posto, que, então, era o primeiro a render pontuação.

Até que, na 33ª de 78 voltas, Schumacher teve problemas de ordem hidráulica. Era o fim da participação do alemão, forçado a abandonar. Hill, que ainda se adequava à situação, estava distante atrás do brasileiro. Assim, Senna via a corrida cair em suas mãos antes da marca de 50%.

"Ainda apertei o ritmo para evitar surpresas", disse Senna mais tarde. Não haveria qualquer surpresa: Ayrton venceu com 52s de vantagem para Damon. Jean Alesi, na Ferrari, completou o pódio. Prost ainda foi quarto, enquanto Fittipaldi e Martin Brundle, respectivamente por Minardi e Ligier, pontuaram.

"Mônaco tem sido muito especial para mim, não somente pelas seis vitórias que já aqui consegui, mas pelos resultados que tenho obtido nesta pista ao longo dos últimos anos e com carros diferentes, motores diversos e várias circunstâncias. Foi aqui que subi pela primeira vez ao pódio na F1, no ano da Toleman (1984), e, a partir daí, os resultados falam por si. Por isso, Monte Carlo continua a ser muito especial para mim", falou após a corrida.

"Sempre esperei conseguir ganhar este ano, mas depois do meu acidente na quinta-feira, perdi o ritmo, e existe uma enorme diferença, neste circuito, entre andar a 90 ou a 100%. Acho que só hoje, no warm-up, consegui reencontrar o meu ritmo. Como não consegui um lugar na primeira linha, sabia que não podia assumir o comando logo no início e ia ser uma corrida muito dura", avaliou.

Senna e o champanhe no pódio de Mônaco, 1993 (Foto: Reprodução/Pinterest)

Sobre as dificuldades dos rivais diretos, deu leve cutucada no antigo desafeto francês.

"Acho que Prost antecipou a partida por sentir uma grande pressão, devido à minha presença atrás dele e à sua ânsia de chegar na frente à primeira curva", arriscou. "Não sei o que se passou com Michael, mas ele foi bastante rápido, e eu decidi não forçar muito no início, porque sabia que os pneus podiam perder eficácia para o final. Foi o que me levou a adotar o ritmo que mais me convinha. Mas, após algumas voltas, forcei o andamento, procurando exercer pressão sobre Michael, porque sabia que a Benetton estava ainda pior quanto a pneus e deveria ter que parar. Não foi isso que se sucedeu, mas consegui aquilo que procurava, o que foi ótimo", comentou.

Ainda relatou que a lesão da mão, adquirida na quinta-feira anterior, não causou grandes sofrimentos durante as 78 voltas em Monte Carlo. "Não senti dores na mão machucada, apenas uma certa dormência, talvez devido a uma circulação mais difícil, e o meu único problema foi procurar manter a concentração e tomar as decisões certas ao longo de toda a corrida", finalizou.

Valeu ainda o cumprimento de Damon Hill, filho de Graham, ao homem que superava o recorde do pai. "Parabéns, Rei de Mônaco! Se meu pai fosse vivo, certamente viria cumprimentá-lo", falou.

Prost ganharia as quatro provas seguinte, com Hill enfileirando as outras três. A Williams escapou rumo ao tetracampeonato de Alain e o Mundial de Construtores. Mas, ao menos por aquele dia, Senna estava de volta ao topo.