Na Garagem: De Ferran vence 500 Milhas de Indianápolis em dia de domínio brasileiro

Há 20 anos, Gil de Ferran uniu paciência e performance impecável para vencer as 500 Milhas de Indianápolis, no grande capítulo final de sua carreira. Hélio Castroneves e Tony Kanaan fecharam o top-3

A corrida das 500 Milhas de Indianápolis da Indy é considerada uma das mais tradicionais do esporte a motor, promovida desde 1911. Nas primeiras décadas, os americanos dominaram — até por representarem a totalidade, ou quase isso, do grid —, mas a partir do fim dos anos 80, pilotos das mais diversas nacionalidades escreveram os seus nomes na história, entre eles quatro brasileiros: Emerson Fittipaldi, Hélio Castroneves, Tony Kanaan e, o protagonista deste Na Garagem, Gil de Ferran.

A vitória de De Ferran na Indy 500 completa exatos 20 anos neste dia 25 e foi emblemática não só por ter coroado um piloto extremamente técnico que estava nos últimos capítulos de sua carreira, mas também por ter levado o Brasil aos três primeiros lugares, visto que Castroneves foi o segundo e Kanaan, o terceiro. Um tamanho feito para um país que, embora tivesse carinho pela Indy, ainda se restringia a idolatrar figuras da Fórmula 1.

Relacionadas

É fato que, em 2003, o cenário da categoria americana ainda era nebuloso. Após a cisão de CART (Championship Auto Racing Teams, depois Champ Car) e IRL (Indy Racing League), de Tony George, em 1996, os dois campeonatos paralelos buscavam afirmação principalmente no aspecto comercial. A CART tinha mais dificuldades, enquanto a IRL caminhava para a ascensão que permitiria a reunificação, no ano de 2008, em uma condição favorável.

▶️ Inscreva-se nos dois canais do GRANDE PRÊMIO no YouTube: GP | GP2

Gil de Ferran e a taça de campeão da Cart em 2000 (Foto: Reprodução)

O veterano De Ferran, na época com 35 anos, tinha conquistado em 2000 e 2001 os títulos da CART com a Penske. Os troféus se juntaram à Fórmula 3 Inglesa, no longínquo ano de 1992, e solidificaram o piloto nascido em Paris e naturalizado brasileiro como um dos maiores nomes do automobilismo nacional. Entretanto, ainda faltava um "último ato" e que precisava ser conquistado do outro lado da cisão — oportunidade que surgiu quando a Penske migrou para a IRL em 2002 e levou De Ferran na bagagem.

O "último ato" poderia ser tanto um título de campeonato, o que ficou próximo de acontecer, ou uma vitória na Indy 500, mas para isso precisaria superar o companheiro de equipe e atual vencedor da prova, por duas vezes consecutivas, Castroneves. O cenário se desenhou desfavorável quando o dono do carro #3 conquistou a pole-position, enquanto Ferran teria de largar da 10ª posição, ou seja, na quarta fila.

Castroneves, aliás, mostrou porque já era um fenômeno ao manter com tranquilidade a liderança até o acidente de Sarah Fisher, na volta 15. A bandeira amarela foi acionada e com isso todos os pilotos foram para os boxes, o que embaralhou o grid e permitiu que Scott Dixon voltasse na liderança, seguido por Michael Andretti. Um pouco antes, na volta 6, Felipe Giaffone contrariou o dia positivo dos brasileiros e abandonou por quebra de motor.

Acidente de Sarah Fisher que tirou a liderança de Hélio Castroneves nas primeiras voltas da Indy 500 2003 (Foto: Reprodução / Redes sociais)

A disputa entre o neozelandês e o americano continuou até a volta 33, quando Dixon perdeu velocidade por conta de um problema de pressão no combustível e deu de presente a liderança para Andretti. A torcida no Indianapolis Motor Speedway vibrou com a possibilidade do ídolo conquistar a vitória, ainda mais diante do fato imutável: o fim de sua carreira.

Naquele momento, Airton Daré era o segundo e reunia as melhores possibilidades de um brasileiro conquistar a vitória. Kanaan ocupava a quarta colocação, Castroneves era o nono e De Ferran, apenas o 11º. Mas ainda restavam muitas voltas e, aos poucos, o grid se realinhou. Para a decepção da torcida local, Jody Scheckter tomou a ponta na volta 68 e, várias rondas depois, Andretti abandonou por falhas no motor.

Mas a liderança do sul-africano, ainda que tenha sido duradoura, esteve a todo momento ameaçada por Castroneves. Uma bandeira amarela, na volta 102, acionada por conta do carro lento de Jimmy Vasser, deu o primeiro susto a Scheckter que teve de se desdobrar para manter a vantagem. Kanaan caiu para 12º, mas logo após a relargada subiu quatro posições e extraiu o máximo do pacote da Andretti para se aproximar novamente dos primeiros colocados.

Outra bandeira amarela, na volta 125, esta causada devido a um acidente de Daré, embaralhou todo o grid. Todos os pilotos foram os boxes, a Penske trabalhou muito bem e Castroneves e De Ferran voltaram à frente do carro #10 da Ganassi. O sul-africano ainda foi ultrapassado, dez giros depois, por Kanaan em uma bela manobra do soteropolitano pelo lado sujo do circuito oval.

Gil de Ferran (à direita) ultrapassa Hélio Castroneves na volta 169 (Foto: Reprodução / Redes sociais)

A primeira posição do #3 se manteve consistente até a volta 165, quando todos os participantes fizeram os seus últimos pit-stops. Castroneves entrou antes de De Ferran para fazer a parada, mas ambos saíram praticamente juntos na pista. O dono do carro #6, então, não perdeu o companheiro de equipe de vista e perseguiu-o até a ultrapassagem, que veio na volta 169.

Nas últimas 31 voltas, foram três bandeiras amarelas, todas por acidentes — um deles envolveu Dixon. Isso trouxe emoção para a prova, mas em todas as relargadas De Ferran foi melhor que Castroneves. Na última, que aconteceu na volta 194, o brasileiro bicampeão da CART abriu vantagem e deste modo só teve o trabalho de conduzir o carro para a bandeira quadriculada.

O top-3 foi completado por Castroneves e por Kanaan, ou seja, uma cerimônia composta em sua totalidade por brasileiros, um feito para o automobilismo nacional. Vitor Meira foi o 12º.

▶️ Conheça o canal do GRANDE PRÊMIO na Twitch clicando aqui!

Gil De Ferran posa para fotos após vitória na Indy 500 em 2003 (Foto: Indianapolis Motor Speedway)

"Não tenho palavras. É um momento inesquecível. Sempre sonhei em dizer alguma coisa inteligente depois de vencer uma corrida dessas, mas não consigo", disse De Ferran, em lágrimas, após o histórico resultado que o colocava como vencedor de uma das provas mais importantes do esporte a motor.

Naquele mesmo ano, ao final da temporada — em que foi vice-campeão para Dixon —, De Ferran anunciou aposentadoria para desfrutar não só de uma carreira rica em conquistas e que foi encerrada com chave de ouro, mas também para se tornar diretor de equipes na F1 e na Indy. Na McLaren, foi diretor esportivo entre 2018 e 2020. Recentemente, assumiu o papel de conselheiro ao novo chefe de equipe Andrea Stella e ao novo diretor operacional Piers Thynne, ambos da F1.

Portanto, De Ferran segue aumentando o seu já vasto legado, como uma importante figura do automobilismo nacional. O franco-brasileiro já cravou o seu nome na história das 500 Milhas de Indianápolis, que chegará ao seu 107º capítulo no próximo domingo (28). Uma vitória gigante para um piloto ainda maior.