Interlagos: por que o palco da Fórmula 1 no Brasil precisou se transformar e a que custo?

O GRANDE PRÊMIO mergulhou em uma das maiores intervenções já sofridas no principal autódromo do Brasil, que passou de um enorme canteiro de obras para a sede de um gigantesco festival de música, e agora se prepara para receber a categoria máxima do esporte a motor

O início de setembro deste ano foi tomado por imagens, vídeos e boatos envolvendo Interlagos. Obras estavam sendo feitas no autódromo mais importante do país, palco da etapa brasileira do Mundial de Fórmula 1 e de todos os principais campeonatos nacionais. Mas nada na pista em si: as mudanças foram amplas para a montagem da estrutura do The Town, a versão paulista do consagrado Rock in Rio.

São Paulo ganhava placas em todos os lugares, até em extremos opostos, para indicar a direção do autódromo. O mundo precisava saber como chegar ao megafestival. Enquanto era visível a movimentação, as autoridades preferiram dizer que "nunca se perdeu o foco no automobilismo".

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A frase é de Marcos Monteiro, secretário de Infraestrutura Urbana e Obras de Ricardo Nunes (MDB), prefeito da cidade de São Paulo, que garantiu que as mudanças todas não foram apenas para o The Town e, sim, pensando no futuro do autódromo, em mais eventos, maior capacidade de público e, claro, na F1.

O GRANDE PRÊMIO procurou especialistas e autoridades de diferentes áreas para entender exatamente o altíssimo investimento público feito em Interlagos, quem está por trás disso, os objetivos e os impactos de tantas obras no lendário circuito, às vésperas também de mais uma edição da F1. O GP também investigou os valores em torno das reformas e encontrou alguns dados que chamaram atenção por informações inconsistentes e até processos contra a prefeitura de São Paulo.

A terraplenagem: como tudo começou a mudar em Interlagos

Inicialmente, é crucial entender as imagens que se espalharam do autódromo revirado em obras, ainda muito antes do The Town. Mais que isso: vídeos com algumas tomadas aéreas indicavam que o terreno havia sofrido mudanças significativas, sobretudo na área referente ao estacionamento, logo atrás das instalações onde hoje se localizam os boxes e tudo que envolve o paddock da Fórmula 1.

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O autódromo de Interlagos passou por uma intensa transformação em 2023(Foto: Rodrigo Aguiar Ruiz/RR Media)

A terraplanagem foi o carro-chefe das obras — "a primeira grande intervenção", nas palavras de Marcos Monteiro, para facilitar o trânsito do público de um palco para o outro. Toda essa transformação foi pensada primeiramente para os festivais — além do The Town, o autódromo recebe ainda o Lollapalooza e o Primavera Sound.

O estacionamento de Interlagos ganhou atenção especial nesse processo. É na área, maior descampado à parte o traçado de corridas em si, e de fácil acesso a partir da entrada principal, que estão concentrados tentáculos dos eventos culturais realizados por lá. No caso do The Town, por exemplo, é numa das pontas do estacionamento que ficou o palco principal, onde se apresentaram as maiores atrações internacionais.

Até alguns meses atrás, o local era um terreno com chão de terra batida, sem asfalto em parte alguma, e com desníveis na terra que faziam do local um estacionamento. Até mesmo no uso como palco de shows, os desníveis viraram os famosos morrinhos e podiam até ajudar as pessoas de mais baixa estatura a enxergar o palco.

Em 16 de janeiro de 2023, a prefeitura de São Paulo lançou um edital para a contratação de "serviços de ampliação e adequação do estacionamento, portão 'T' e arquibancada (entre a pista de testes e a curva do Mergulho". Apenas dois dias depois, em 18 de janeiro, foi publicado em Diário Oficial a vitória da licitação para o Consórcio Autódromo de Interlagos, constituído pela Construtora Progredior e a DP Barros Pavimentação e Construção.

O valor da obra foi orçado em R$ 17,998.089,40. Deste montante, R$ 14.558.142,77 representou o valor total dos custos básicos, enquanto R$ 3.439.946,63 foram de despesas indiretas, o chamado BDI (Benefícios e Despesas Indiretas). Nele, calculam-se coisas como seguro, garantias, tributos, administração central, além da margem de incerteza. É onde a empresa licitante já equaciona a margem de lucro com o projeto, por exemplo.

“Onde era o estacionamento, havia vários patamares, e agora foi unificado, virou uma grande esplanada”, explicou Monteiro. “Para o The Town, você tem os dois palcos próximos e, acabando um show em um deles, já pode se deslocar rapidamente para o outro. O espaço é bem grande e foi projetado para caber 100 mil pessoas”, disse.

O secretário afirmou também que foi feita uma inédita rede de drenagem para escoamento da água, além de valas técnicas para ajudar em cabeamento e fiações. A pavimentação da área foi ecológica “para se ter o escoamento de água não só nas valas técnicas, mas também pelo piso”.

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Outra área de montagem para o festival (Foto: Rodrigo Aguiar Ruiz/RR Media)

A construtora Progredior tem um processo contra a Prefeitura de São Paulo, também por obras em Interlagos, mas de anos anteriores. O GRANDE PRÊMIO entrou em contato com a empresa para obter detalhes das obras, mas não obteve resposta.

A DP Barros Pavimentação e Construção atendeu inicialmente, mas desligou o telefone quando informada que se tratava da reportagem do GRANDE PRÊMIO.

Em mais uma grande obra voltada aos preparativos para o The Town, o processo de licitação aconteceu mais perto da data do festival. A entrega das propostas para atender ao edital da SPObras foi feita em 15 de maio, após três datas disponíveis para visitas técnicas nas semanas anteriores. O objeto em questão era a contratação de "empresa especializada em engenharia para elaboração do Projeto Executivo e execução de obras de terraplanagem, drenagem superficial, pavimentação e construção de vala técnica com trechos em método não-destrutivo" no circuito.

O vitorioso do processo licitatório foi o Consórcio HL Interlagos, formado pelas empresas Hidropav Construtora e Participações e Construtora Lettieri Cordaro. Por parte do consórcio, quem assinou o contrato foi Eric de Freitas Ferreira, registrado como sócio administrador da Hidropav e representante legal do consórcio. O prazo de vigência do contrato foi determinado em 150 dias a partir da assinatura, em 7 de junho, mas a execução teria de ser realizada em até 60 dias.

O edital indicava um valor de R$ 49.324.554,88 como a referência para o projeto, mas o acordo com o Consórcio HL Interlagos foi fechado por um total um pouco abaixo de R$ 46 milhões (R$ 45.971.634,14), divididos em custos básicos no valor de R$ 37,5 milhões e um BDI de R$ 8,5 milhões.

O GRANDE PRÊMIO também tentou contato com a Hidropav e a Lettieri Cordaro, bem como com o representante do consórcio, Eric de Freitas Ferreira, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.

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Rede de esgoto própria e estruturas permanentes

Outra grande obra realizada no circuito foi na rede de esgoto. Antes, os banheiros eram químicos; para o festival, foram adotados provisórios que passaram a ficar ligados a uma rede de esgoto própria.

Ainda, torres foram implantadas para facilitar a instalação de luzes e som. Grama sintética foi colocada em áreas dessa esplanada, além do hospitality e das áreas VIPs, com uma estrutura montada tanto para o The Town quanto para a F1, ali onde ficam as áreas VIPs. Também foi implantada uma iluminação perimetral nas vias internas de serviço do autódromo. “Essa é a primeira fase de obras, consolidada com a realização do The Town", disse Monteiro.

O GRANDE PRÊMIO encontrou nos editais detalhes referentes aos projetos assinados no período. No último dia 21 de julho, a SPTuris celebrou um contrato no valor de quase R$ 11 milhões (R$ 10.980.000) com a Promov Empreendimentos para "prestações de serviços, sob o regime de empreitada por preço global, para a fabricação de elementos metálicos e montagem de torres para implantação permanente de sistema para suporte de equipamentos técnicos de iluminação e sonorização, necessários à realização de eventos" em Interlagos.

No dia seguinte, 21 de julho, a SPTuris assinou outro contrato, agora com a LS Locações, Serviços e Eventos, no valor de R$ 7.195.000,00 para "fornecimento, montagem e desmontagem de estruturas tubulares para a preparação e realização do evento The Town”.

Por fim, no dia 31 de julho, a SPTuris celebrou um contrato no valor total de pouco menos de R$ 1.777.900 com a CAP Paisagismo, Urbanismo e Comércio. O serviço acordado era o "fornecimento e instalação de 25.000 m² de grama sintética nas áreas de circulação de público do Autódromo José Carlos Pace".

Outra parte da reforma teve como alvo a rede de esgotos (Foto: Rodrigo Aguiar Ruiz/RR Media)

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A somatória dos valores crivados em contrato para as obras realizadas entre o começo do processo e o The Town fica entre R$ 85 e 90 milhões. De acordo com a Prefeitura de São Paulo, todo o campo de investimentos para Interlagos terá custo de aproximadamente R$ 190 milhões. A disparidade está no fato das obras estarem divididas em fases: até agora, apenas a primeira fase foi levada a cabo.

A segunda fase tem previsão de ser iniciada depois do festival de música eletrônica Primavera Sound, marcado para os dias 2 e 3 de dezembro. Aí, o valor orçado pela Prefeitura está na casa de R$ 110 milhões e vai contar com "ampliação da área conhecida como lajão, nova área administrativa e novo acesso ao Autódromo pelo portão G", além de "readequação das arquibancadas permanentes nos setores A e OTC e nova arquibancada no S do Senna", bem como uma "substituição do muro do autódromo por um gradil".

Nesta sexta-feira, o GRANDE PRÊMIO publica a segunda parte desta reportagem, que vai falar do futuro do esporte a motor no Brasil, dentro do plano de transformar o autódromo em uma arena multiuso.

*Matéria escrita por Pedro Henrique Marum, Gabriel Curty, Ana Paula Cerveira, Luana Marino, João Pedro Nascimento, Evelyn Guimarães e Victor Martins. Colaboraram Guilherme Bloisi, Juliana Tesser e Rodrigo Berton.

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