Dennis coroa com título vida na Fórmula E que deu sentido à trajetória incerta

O caminho de Jake Dennis no automobilismo, ao menos no que dizia respeito aos monopostos, parecia se encaminhar para o nada. Apareceu, então, a Fórmula E. E a paixão foi recíproca

Após uma temporada de regularidade e velocidade notáveis, Jake Dennis confirmou, na tarde deste sábado (29), o título da temporada 2023 da Fórmula E. Conquista incontestável, visto que ninguém foi mais estável como presença de pódio e, como mostrou Roma, foi também às vitórias, ainda que não tenha tido nestas o grande norte do desempenho. É difícil argumentar, porém, contra o fato de que o melhor piloto do ano terminou com a conquista.

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Para Dennis, é uma conquista que dá sentido ao caminho que trilhou no esporte. Não porque apenas os títulos ou as vitórias justifiquem a carreira, o trabalho e a vida. Há quem acredite nisso, mas eu não estou entre estes, que considero viverem uma existência ao menos melancólica. Divago, que voltemos aos trilhos do texto.

O que dá sentido, na realidade, é a vida na Fórmula E. Desde que chegou na categoria, envolto em desconfiança por ser contratação menos que estrondosa de uma BMW cheia de orçamento e poder, consolidou-se como um verdadeiro ás dos monopostos elétricos. Estes carros são diferentes de guiar em comparação a outros tipos de bateria. A maneira como tratar os pneus não-slicks, o gerenciamento constante de energia, a maneira de frear para conseguir dialogar da melhor maneira possível com a bateria e outras tantas diferenças transformam as exigências da Fórmula E em tremendamente peculiares.

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O título de agora, terceira temporada no campeonato, é a joia da coroa, mas estava claro desde 2021 que Jake e a Fórmula E foram feitos um para o outro. Naquele primeiro ano, ganhou duas corridas e foi terceiro do campeonato em que a BMW se despedia. Mas permaneceu na mesma equipe, porque a Andretti seguiu em frente sem a fábrica alemã. Venceu de novo no segundo campeonato e, ainda que o título não tenha passado perto, estava sempre pontuando e foi a cinco pódios. Nas últimas quatro corridas do campeonato, uma vitória, um segundo, um terceiro e um quarto lugares. E, aí, neste 2023, desabrochou junto aos motores Porsche operados com mais brilhantismo pela cliente Andretti que pelo time de fábrica. Aos 28 anos, é campeão mundial em frente ao próprio público.

Os primeiros passos de monopostos, com título na F-Renault 2.0 em 2012, fora um animador começo de carreira. Mas foi depois disso, a partir do momento em que chegou à antiga F3 Europeia, que desde então se fundiu à GP3 para dar origem ao que é a Fórmula 3 atual, foi quem mostrou que tinha talento. Pódios naquela temporada abriram caminho para o terceiro posto do campeonato em 2015, quando venceu seis corridas. Na pista com ele naquele campeonato, o campeão Felix Rosenqvist e o vice Antonio Giovinazzi levavam vantagem para os mais jovens Charles Leclerc, George Russell, Alexander Albon, Lance Stroll e até Maximilian Günther e Sérgio Sette Câmara e, por parte da temporada, o rival de agora, Nick Cassidy.

E é verdade que a idade faz tremenda diferença nas categorias-satélite e que Dennis era mais velho que Russell, Leclerc e Albon, mas também era bem mais jovem que Rosenqvist e Giovinazzi. E, na pista, foi quem mais brilhou pelo nível de pilotagem ao longo do campeonato. Em 2016, na GP3, ficou em quarto, de novo atrás de Leclerc, Albon e, desta feita, o então pimpolho da Ferrari Antonio Fuoco. Mas Dennis era o único na Arden, bem menos poderosa que ART e Trident, dos rivais àquela altura. E ganhou duas provas! Aliás, o grid também contava com Nyck de Vries e Álex Palou.

A vitória em Roma foi fundamental para dar tranquilidade a Dennis em Londres (Foto: Fórmula E)

Mas a falta de dinheiro falou mais alto depois disso. Dennis deixou o cenário competitivo dos monopostos porque não tinha como se bancar dentro dele e, salvo por oportunidades de testar no simulador de F1 na Red Bull por algumas temporadas, deixou a vida. Passou a correr por outras partes, mas nunca em gigantescas oportunidades nas maiores categorias. Fez algumas poucas corridas de LMP2 no WEC, andou em diversas categorias de GT, na Copa Audi, e no DTM, em 2019, onde defendeu a então novata Aston Martin e levou um conjunto limitadíssimo até onde dava. Serviu, ao menos, para chamar atenção da BMW Andretti.

Mesmo assim, para o grande público, aquele brilho das categorias-satélite parecia ter se perdido. Virado fosquidão no meio de uma floresta de ausência de grandes desafios e oportunidades de buscar a glória. Até 2021, e a Fórmula E.

Portanto, o sentido não vem da conquista, mas do reconhecimento. Da recuperação de uma carreira que não afundou: foi resgatada para apontar para o resto do esporte e mostrar que, sim, tinha muito mais nos tanques do que o fizeram imaginar. E que podia ter uma carreira gloriosa, como os rivais dos primeiros anos.

Resgatado pela Fórmula E, Dennis retribuiu no que termina como uma das melhores temporadas da década de história da categoria. Entre vários pilotos que foram muito bem, ninguém foi melhor.