FIA precisa ser clara na F1 e evitar 'modo Hollywood' na decisão SC x bandeira vermelha

GP da Austrália representou uma bagunça nas definições de que tipo de intervenção as corridas precisam quando alguma desventura acontecer na pista

Os melhores rádios do GP da Austrália de F1 2023 (Vídeo: F1)

Quando a Fórmula 1 deveria parar a corrida com bandeira vermelha e quando a melhor decisão é somente frear a ação, com safety-car (SC) ou até safety-car virtual (VSC)? É uma questão que nem sempre vira foco de conversas, mas vez ou outra se faz presente em momentos de necessidades ao longo das corridas. Foi o que aconteceu na última prova, o GP da Austrália, nas ruas do Albert Park, em Melbourne. E o resultado foi que a FIA esticou a corda da subjetividade de maneira incerta e até arrebentar.

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As discussões nos dias desde o evento, de muitos dos protagonistas entre pilotos e representantes de equipe, refletem certas dúvidas sobre as decisões da direção de prova, liderada por Niels Wittich. A questão de discussão principal é: as bandeiras vermelhas eram necessárias em Melbourne, ou apenas um safety-car já serviria para a normalização da situação?

Das três bandeiras vermelhas, as duas primeiras foram por sujeira na pista após um acidente de um piloto contra a barreira de proteção — com o acidente sendo causa da sujeira e não acontecendo por consequência. A primeira veio ainda na parte inicial da prova, depois de Alexander Albon perder o carro; a segunda, já nas últimas cinco voltas, após batida de Kevin Magnussen.

Bandeira vermelha no fim da prova, levando a uma relargada parada a duas voltas do fim, abre a porta para pilotos buscarem a oportunidade de mudar de posição ao superar gente que estava na frente e, em alguns casos, tão na frente que sequer fazia a mesma corrida. Foi precisamente o que aconteceu: uma série de problemas na última relargada forçou uma terceira vermelha. A última é menos discutível que as duas primeiras, mas a visão geral é que, sem a segunda vermelha, ela sequer teria acontecido.

Por que tais decisões foram tomadas? "As relargadas são grande fator de entretenimento, mas precisamos entender daqui para a frente quando uma bandeira vermelha vai ser expedida e quando será um safety-car ou um VSC", disse Toto Wolff, chefe da Mercedes.

Relargada caótica do GP da Austrália teve quatro abandonos e muita confusão no fim (Vídeo: Sky F1)

"Para esses [dois primeiros] incidentes, podia ter usado qualquer um deles [SC ou VSC]. A F1 é um sucesso porque é um esporte em que seguimos as regras, e isso nos dá muito entretenimento, contanto que seja claro e bem interpretado", fechou.

O pedido de clareza de Wolff é outro ponto importante, porque tanto na primeira quanto na segunda bandeira vermelha, a direção de prova antes chamou o safety-car. Atualizou na volta seguinte, quando as equipes souberam junto do público. Parece bobagem, mas a chamada de SC afetou na corrida de alguns pilotos.

George Russell liderava a corrida quando foi chamado aos boxes no safety-car que seguiu a batida de Albon. Na volta seguinte, bandeira vermelha. Ou seja: acabou, na prática, a obrigatoriedade de parar nos boxes durante a corrida. Como é permitido mexer no carro nos procedimentos de bandeira vermelha, todo mundo que não tinha parado nos boxes, trocou pneus e pode ganhar tempo em relação a quem trocara. Russell caiu de líder para sétimo; Carlos Sainz, que fez o mesmo, foi de quarto para 11º. Na segunda oportunidade, Oscar Piastri também entrou nos boxes no espaço entre as chamadas de safety-car e bandeira vermelha.

A conclusão geral pelo paddock da Fórmula 1 é que a direção de prova tomou uma decisão de cancelar as vantagens e diferenças entre os carros por uma nova largada 'de vida ou morte' por questões de entretenimento: assim, o público poderia ficar vidrado em frente à TV encarando a tensão de brigas por todas as posições do grid.

"Não acho que a segunda bandeira vermelha era necessária", disse Lando Norris. "Tenho certeza que a última, sim, porque tinha muita gente na brita e coisas assim, mas a anterior, possivelmente, não. Talvez tenham feito pelo espetáculo", fechou.

O GRANDE PRÊMIO lembra agora alguns casos de decisões diferentes da direção de prova ao longo dos últimos dois anos.

A corrida da Alpine terminou em um acidente entre Gasly e Ocon (Foto: Reprodução/F1TV)

São quatro eventos de decisões distintas e questionáveis a sua maneira que separamos para colocar em comparação ao que aconteceu na Austrália, dois em 2021 e outros dois em 2022. O primeiro deles no Azerbaijão, quando a Red Bull viu a corrida de seu principal piloto ir pelos ares na volta 47 de 51. Após o estouro do pneu de Max Verstappen, a direção de prova demorou 1min30s para chamar um óbvio safety-car — que virou bandeira vermelha após todo mundo completar mais uma volta. Foram 30 minutos de interrupção até uma volta de retorno ao grid sob safety-car e uma relargada parada para apenas duas voltas, como planejavam fazer na Austrália. Foi a relargada para menor distância da história da F1, superando as cinco voltas de Mônaco 2011.

Depois, no fim do ano, a gestão Michael Masi se enrolou de vez. A decisão de chamar o safety-car em vez do VSC e decidir não expedir a bandeira vermelha após o incidente envolvendo Nicholas Latifi não seria tão dramática se fosse feita descolada nas corridas anteriores. Isso porque a Mercedes foi pega no pulo na Arábia Saudita, quando chamou um de seus carros para os boxes num momento de safety-car que virou bandeira vermelha em seguida. A clara expectativa em Abu Dhabi era que acontecesse o mesmo, e não terminou assim. Ainda teve a história da permissão de movimentação apenas dos retardatários que estavam entre Verstappen e Lewis Hamilton — e a manutenção de todos os demais nas posições fora de ordem em que se encontravam — para piorar o caso e acabar com a vida de Masi na direção de prova. A situação, aliás, fez a FIA mudar a regra e expor claramente que os retardatários não precisam passar o líder para que a bandeira verde seja retomada.

Já em 2022, uma enorme confusão veio na Itália. Após Daniel Ricciardo abandonar com defeito grave no câmbio, algo que travou o carro e dificultou o resgate do bólido, a direção de prova deu apenas bandeira amarela, que durou longos e longos minutos. Quando finalmente chamaram o safety-car, colocara atrás do líder Verstappen, que precisou de duas voltas para conseguir se posicionar. O tempo perdido se provou grande demais, e a corrida acabou ainda durante uma intervenção longa do carro de segurança.

Por fim, na corrida que decretou Verstappen como bicampeão mundial, o GP do Japão, novo embaraço. Com o clima dificultando a vida da F1 em Suzuka, a direção de prova teve dia tenebroso, destacado sobretudo pelo momento em que soltaram um trator de extração para a pista em momento de safety-car e com chuva, numa visibilidade ínfima para os pilotos. A bandeira vermelha apareceu em seguida, mas deu tempo de Pierre Gasly quase dar uma pancada no trator e ficar irritadíssimo. Pudera, foi numa falha organizacional parecida com essa que o amigo Jules Bianchi sofreu, em 2014, o acidente que custou sua vida.

Desta forma, com casos de tantas semelhanças e diferenças, o que tirar daquilo que a FIA tem de fazer para melhorar os procedimentos? E é bom que se diga: essa discussão serve para entender a melhora dos procedimentos e da maneira da FIA informar, mas não coloca na federação e seus diretores e comissários o peso pelo comportamento doidivanas dos pilotos em Melbourne. Logan Sargeant não precisou de ajuda para enlouquecer para cima de Nyck de Vries, entre outras pérolas.

F1 2023, GP da Austrália, Kevin Magnussen, Haas
Kevin Magnussen quebrou a suspensão sozinho e causou bandeira vermelha tardia no GP da Austrália

O primeiro ponto fundamental está em definir quando um safety-car serve para averiguar o estado em que está a pista ou um resgate pós-incidente. É muito difícil conceber que as equipes recebam certas informações com tanto atraso. Se a direção de prova avisasse a todas as equipes que o pit-lane estava fechado na volta após a batida de Albon, por exemplo, ninguém teria ido ao pit-lane para ter a corrida atrapalhada. Ora, quanto custa avisar que é um safety-car de averiguação para a necessidade da bandeira vermelha. Que seja até um VSC, dadas as condições certas.

A maior questão na divisão entre safety-car e bandeira vermelha é que não há, no regulamento, uma fronteira clara onde fica um ou o outro. A vermelha tem de ser apresentada somente quando há a extrema necessidade de parar, sobretudo por questões de segurança: falta de visibilidade ou condições de aderência na pista, danos em barreiras de proteção, resgates médicos ou que necessitem de maquinário pesado no traçado. Nada disso aconteceu no acidente de Magnussen nas últimas voltas, mas faz algum tempo que a F1 aceitou uma regra do bom senso: que o diretor tem o poder de interromper a corrida nas últimas voltas caso perceba que o final se dará sob safety-car.

Mas é assim que deve ser? É compreensível que parte de quem promove o negócio queira duelos dos mais duros possíveis, apertados até o final, com um entretenimento de alta qualidade para a TV. Só que a F1 não é a Nascar, que conta com a lei da prorrogação para evitar ao máximo acabar em bandeira amarela — por conta da limitação de combustível, a ideia da prorrogação é inviável para a F1. Também não é a Fórmula E, que tem lá suas manobras artificiais para render corridas próximas, algo que é parte do DNA da categoria. Aliás, a menor artificialidade é algo que tanto atrai torcedores mais puristas.

O diretor de prova não deveria ter a primazia de definir bandeiras vermelhas para a TV na F1, sobretudo numa pista estreita como a do Albert Park. No fim das contas, é juntar para o tudo ou nada caras que têm a adrenalina no lugar de sangue. É um perigo para a segurança e um desgosto esportivo para quem se mantém na corrida após tantas e tantas voltas. É necessário respeitar a ordem das bandeiras vermelhas: se algumas corridas, de tempos em tempos, sofrerem com fim sob safety-car, é um pequeno preço a se pagar.

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