Bearman repete Lawson ao agarrar chance e prova que F1 precisa de renovação urgente
Renovação tem muito mais a ver com fazer a roda girar, entender que ciclos se encerram, que a qualidade das corridas de hoje na Fórmula 1 também tem relação direta com alguns pilotos que por lá estão, e não somente pelo domínio avassalador de Max Verstappen. Portanto, é urgente discutir a abertura de vagas para pilotos como Liam Lawson e Oliver Bearman
Ano passado, durante o TL2 da Fórmula 1 em Zandvoort, Países Baixos, Daniel Ricciardo precisou escolher entre jogar o próprio carro no muro ou acertar em cheio o colega, Oscar Piastri, em alta velocidade após o primeiro bater instantes antes e ficar atravessado na pista. A opção foi guiada pelo instinto, resultando numa fratura de punho que tirou o veterano de cena por cinco GPs consecutivos. Coube, então, a um garoto de então 21 anos e pouca quilometragem com carro de F1 na bagagem a responsabilidade de participar de uma classificação tendo apenas um único treino livre à disposição para se familiarizar com toda a pressão que acompanha uma etapa da categoria.
Este ano, no último final de semana, na Arábia Saudita, a Fórmula 1 se viu novamente diante de roteiro parecido, mas com uma considerável pitada de drama. Passando mal desde a quarta-feira, Carlos Sainz recebeu o diagnóstico de apendicite e a notícia de que teria de ser submetido a uma cirurgia de emergência. Havia apenas mais um TL pela frente antes da definição do grid de largada. E Ferrari, quem diria, resolveu ousar ao chamar um piloto ainda mais novo, apenas 18 anos, para suprir a ausência do titular.
Lawson e Bearman tinham em comum o benefício da dúvida lançado sobre pilotos novatos, e mais ainda pela sinuca de bico em que foram colocados. Verdade seja dita: aqui, tanto para um quanto outro, o principal objetivo era levar o carro até a bandeira quadriculada. Só isso já seria uma grande vitória e eliminaria ao menos prejuízos para AlphaTauri (hoje RB) e Ferrari, respectivamente.
Acontece que numa F1 cada vez mais seleta e que insiste de forma até inexplicável na permanência de certos rostos, uma mísera chance que se abrisse seria para um 'all in' — expressão do pôquer usada para definir o ato de se apostar todas as fichas em uma única jogada. Ou seja, é o tudo ou nada.
Em Singapura, no ano passado, Lawson conquistou o que seria até o GP da Cidade do México o melhor resultado da AlphaTauri na temporada ao terminar em nono. Na classificação, ainda teve a façanha de tirar do Q3 ninguém menos que Max Verstappen por míseros 0s007, naquele fim de semana irreconhecível da Red Bull. Cumpriu o papel de substituto com nenhum abandono ou acidente e deixou no ar uma pergunta óbvia: o que faltava para estar na F1 com o time de Faenza em 2024?
Bearman, que deixou o pai aflito nos boxes da Ferrari, encarou um veloz e traiçoeiro circuito de rua que tem fama de não perdoar erros — Verstappen em 2021 que o diga. Para piorar, durante a corrida, teve de lidar com o desconforto de um banco que não era do seu tamanho, uma falha no sistema de hidratação e a pressão de ter de abrir vantagem suficiente para impedir possíveis ataques de Lewis Hamilton e Lando Norris, que saíram à caça do novato, de pneus duros, com compostos de faixa vermelha.
Foi um sétimo lugar suado, honroso e que levantou imediatamente a mesma pergunta: o que falta para Oliver estar na Fórmula 1 em 2025?
Essa questão, aliás, merece ser ampliada e debatida para ontem: o que falta para a F1 iniciar um processo de renovação no grid? Este ano, pela primeira vez na história tivemos o mesmo line-up das equipes se repetindo de uma temporada para outra. Algo totalmente compreensível em times como Ferrari, Mercedes ou mesmo Alpine, mas realmente não cabia mais ninguém novo? E os 20 que correm na F1 hoje podem realmente ser considerados os melhores pilotos do mundo?
Passou a ser cômodo bater em Logan Sargeant, o último novato a subir para a F1, dono de uma temporada de estreia das mais sofríveis, mas o que dizer de Valtteri Bottas e Guanyu Zhou na Sauber? E como explicar a Red Bull insistir em Daniel Ricciardo, ignorando completamente a sua academia? — que, inclusive, conta com Lawson.
Que fique claro que falar em renovação e abrir espaço para pilotos novos não é sinônimo de aposentadoria à galera 35+. Fernando Alonso desafia a lógica do alto dos seus 42 anos, Lewis Hamilton não pode e nem deve ser subestimado aos 39 e Nico Hülkenberg, 36, tira leite de pedra com o pouquíssimo que a Haas oferece. Bearman mesmo reconheceu o quanto o alemão usou da experiência com um carro infinitamente mais lento para fazê-lo perder tempo.
Renovação tem muito mais a ver com fazer a roda girar, entender que ciclos se encerram, que a qualidade das corridas de hoje também tem relação direta com alguns pilotos que por lá estão, e não somente pelo domínio avassalador de Max Verstappen.
Lawson é da mesma geração de Felipe Drugovich, campeão da F2 2022 que viu as portas da F1 mais uma vez fechadas no ano passado. O mesmo aconteceu com Théo Pourchaire, o campeão de 2023. Bearman é de uma safra ainda mais promissora, mas é urgente que vagas precisam ser abertas, ou a categoria vai correr o risco de perder os verdadeiros talentos, ficando cada vez mais refém dos pilotos pagantes.
A Fórmula 1 retorna daqui a duas semanas, entre os dias 22 e 24 de março, com o GP da Austrália, terceira etapa da temporada 2024, em Melbourne.
Inscreva-se nos dois canais do GRANDE PRÊMIO no YouTube: GP | GP2
Conheça o canal do GRANDE PRÊMIO na Twitch clicando aqui!