Na Garagem: Kanaan desencanta e leva modesta KV à glória eterna na Indy 500

Tony Kanaan fez uma senhora exibição para conquistar a primeira vitória da carreira nas 500 Milhas de Indianápolis. Em um ano em que estava desacreditado, por uma pequena KV, o brasileiro chegou lá

O 26 de maio de 2013 entrou para a história do automobilismo brasileiro. O sonho de Tony Kanaan estava completo, da forma mais improvável, no contexto mais difícil. Kanaan finalmente vencia as 500 Milhas de Indianápolis.

Nome mais do que importante nos anos dourados da Andretti, no começo dos anos 2000, Tony, que até título da Indy já tinha - em 2004 -, ainda caçava incansavelmente a glória no oval mais famoso do mundo. E ela veio pelas mãos da modesta KV.

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Tony chegou no time de Kevin Kalkhoven e Jimmy Vasser para a temporada 2011, depois de oito anos defendendo as cores da Andretti. Os resultados nos dois primeiros anos foram bastante aceitáveis para uma equipe de meio de pelotão: quinto e nono nas temporadas, quarto e terceiro nas duas edições de Indy 500. Kanaan já estava levando a KV a um novo status.

Tony Kanaan fez Indy 500 brilhante em 2013 (Foto: IndyCar)

Em 2013, a consagração. Em uma das edições mais marcantes das 500 Milhas de Indianápolis nos últimos tempos, Tony derrotou o trio Ryan Hunter-Reay, Carlos Muñoz, Marco Andretti e, consequentemente, a Andretti como um todo, para chegar lá. E cumprir o sonho.

"Fiquei olhando para a arquibancada e pensando 'é isso, cara, eu consegui'. Finalmente vão colocar minha cara feia no troféu", disse Tony ao sair do carro.

E como veio a vitória de Kanaan na Indy 500? Com drama e emoção, como não? Largando em 12º, ou seja, na quarta fila, Tony se manteve no pelotão da frente a corrida inteira. O brasileiro praticamente não saiu do top-10, venceu vencendo mesmo, não teve nada que caiu do céu ali.

Foi a edição também que registrou, até então, a maior média de velocidade durante as 200 voltas: 301,6 km/h, marca que só foi batida em 2021. Além disso, algo que explica bem porque a corrida é um sucesso tão grande até hoje: foram absurdas 68 trocas de liderança, batendo o recorde registrado no ano anterior: 34. Sim, metade.

Carlos Muñoz foi um dos grandes rivais de Kanaan em 2013 (Foto: IndyCar)

No total, 14 pilotos lideraram a corrida, também um recorde. E isso torna ainda mais impactante o feito de Kanaan: não apenas venceu, mas ficou lá na frente o tempo todo. Com isso tudo de gente tendo ocupado a liderança, é um baita feito. Foi uma senhora exibição do brasileiro, que em 2023 parte para sua despedida do oval sagrado do IMS.

Apesar de Andretti e Muñoz terem sido postulantes reais - entre muitos outros pilotos, aliás, gente até como AJ Allmendinger -, o duelo derradeiro foi entre Kanaan e Hunter-Reay. E uma baita disputa.

Os dois brigavam forte pelo comando da corrida quando, com 7 voltas para o final, Graham Rahal derrapou e encontrou o muro interna. A amarela quase acabou com a prova, mas reservou ainda uma última relargada.

"Os caras entraram no rádio e falaram assim: ‘Você não vai querer liderar a última volta do jeito que a gente viu a dinâmica na corrida’. E eu respondi: ‘Do jeito que está aqui, do jeito que eu vejo, é o seguinte: vou lá para frente, porque três ou duas voltas para o final, todo mundo acha que pode ganhar a corrida. Vai dar uma merda aí. Então, eu vou para frente, se eu perder assim, perdi. Mas é a minha decisão. E acabou sendo a decisão correta", descreveu o baiano em entrevista ao GRANDE PRÊMIO sobre a relargada final.

Tony Kanaan chegou lá com a KV (Foto: IndyCar)

E Tony tinha toda razão: deu, é, confusão, chamemos assim, na relargada final. Kanaan partiu para cima e passou Hunter-Reay, levando Muñoz junto, que subia para segundo. Instantaneamente, Dario Franchitti encontrou o muro e botou um ponto final na ação. Bandeira amarela, bandeira quadriculada logo ali, Kanaan na história do IMS.

“Ganhamos do jeito que tem de ganhar. Não caiu no colo. Não foi que um bateu, não foi erro no pit-stop, não. Ali a gente ganhou porque dominamos a corrida inteira, estávamos entre os primeiros desde a largada", resumiu o brasileiro ao GP.

O triunfo de Tony representou também um fim com ponto de exclamação no domínio da Honda em Indianápolis. Kanaan e os três da Andretti que vieram logo atrás usavam motores Chevrolet, montadora que estava na seca no IMS desde 2002, quando tinha vencido com Helio Castroneves. Até a Toyota, que nem fazia mais parte da categoria, tinha triunfo mais recente: em 2003, com Gil de Ferran. De 2004 em diante, só dava Honda.

Ao todo foram expressivos 19 pilotos fechando na volta do líder, o que explica bastante a aposta que o hoje veterano brasileiro havia feito em uma bandeira amarela: muita gente sentindo que ainda poderia vencer a prova e arriscando tudo.

Tony Kanaan com Jimmy Vasser e Kevin Kalkhoven para celebrar a Indy 500 2013 (Foto: IndyCar)

Em entrevista exclusiva ao GP, Kanaan deu mais detalhes de como se deu a conquista. O brasileiro falou do momento de desconfiança pelo qual passava, de como o acordo com a KV foi visto com alguns olhares tortos e das coisas que clicaram tanto para que o sucesso acontecesse.

A ida para a KV

“Ainda não tinha ganhado as 500 Milhas [de Indianápolis], mas já tinha uma baita carreira pela Andretti. Eu poderia muito bem falar: ‘Quer saber? Não vou correr por uma equipe pequena. [Não vou] ficar tomando pau para as pessoas virem falar’. Mas eu nunca fui assim. Eu amo automobilismo, sempre amei correr de carro e já tinha sido colocado em situações muito piores. Então, quando você está em uma situação de merda, porque você foi colocado nisso, se você não passou [por isso], é uma coisa que te assusta. E as pessoas, por vezes, têm muito ego e muito medo de aceitarem uma empreitada dessa, principalmente nessa última década, que todo mundo tem uma opinião que acaba te afetando de vez em quando", comentou.

A saída da Andretti

“Ali, naquele momento, eu pensei: ‘Vou voltar às raízes. Eu quero continuar correndo de carro porque eu amo fazer isso’. Tudo bem, não é a equipe que eu queria. Eu tinha um contrato de mais cinco anos com a Andretti que, por uma questão de patrocínio, os caras não honraram. Enfim, são coisas que acontecem na vida, nada na vida é garantido", relembrou.

“Na época, eu pensei que estava no fim da minha carreira, porque se você levar em consideração que eu saí da melhor equipe da Indy na época, já estava um pouco mais velho, enfim. Então, considerei ir para a KV, montar um negócio por mais uns dois anos e se não desse certo, fazer outra coisa da vida. E, cara, a equipe era pequena, mas tinha muita gente boa. Tanto é que se eu te falar onde está cada uma dessas pessoas, todos estão nas quatro maiores equipes da Indy atualmente — entre engenheiro, mecânico, engenheiro de amortecedor. Então, a gente tinha uma equipe boa, mas não tinha uma equipe para disputar um campeonato, porque não tínhamos um orçamento para ser constante o suficiente", completou Tony, que na época estava com 38 anos quando venceu a Indy 500.

Lenda da Indy, Tony Kanaan vai correr a Indy 500 pela última vez com a McLaren (Foto: Indycar)

A conquista

“A única coisa que faltava para mim era ganhar as 500 Milhas, então sentamos eu e o Jimmy [Vasser, proprietário da KV], e ele me colocou que eu iria sobreviver o ano inteiro para me concentrar nas 500 Milhas. Se você olhar, o primeiro ano eu cheguei em quarto e depois em terceiro. E depois, primeiro. Querendo ou não, isso aconteceu porque a gente focou e eu sabia que tinha um potencial. E a partir daí, a equipe que nunca tinha vencido uma corrida, ganhou apenas a maior corrida do mundo.”

“A gente não tinha dinheiro para ir para a próxima etapa, mas sobrevivemos. Hoje, eles [da KV] fazem IMSA, com os pilotos de fábrica da Lexus, mas continuaram com o [Sébastien] Bourdais um tempão. Então assim, a decisão não foi tomada por falta de opção, porque na época eu tinha assinado um contrato com a equipe do Gil, mas a gente tinha de arrumar um certo orçamento até uma época do ano e não deu certo.”

“Era para dar certo [na KV]. A gente assinou com a KV nove dias antes de St. Pete, fomos para Homestead [Miami] na segunda-feira antes de St. Pete só para eu dar um rolê no carro. Chegamos lá em St. Pete e fizemos o pódio. Foram anos muito bons. Eu não quero que as pessoas pensem que a equipe era ruim, muito pelo contrário. A equipe não tinha orçamento. Nós fomos inteligentes em focar na corrida mais importante do ano e a corrida que daria para nós um maior prestígio, e acabou dando certo.”

Kanaan, que já estava na história da categoria pelo título de 2004 e pela legião de fãs que conquistou, entrava também no rol sagrado de Indianápolis. Ele mesmo falou, a gente só repete: era para ser assim, com a KV, do jeito que foi. E foi muito bonito.

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