Fórmula 1

Norris tem talento de sobra, mas confiança de Heleninha torna título proposta distante

Lando Norris tem, do ponto de visto técnico, o necessário para ser um grande piloto de Fórmula 1. Mas, para isso, há que se ter confiança

A temporada 2025 da Fórmula 1 tem conquista do Mundial de Construtores fechada e selada há tempos, dado o domínio gigantesco da McLaren, mas a corrida pelo caneco de Pilotos está totalmente aberta. Diferente dos anos de Red Bull ou da fase pós-Nico Rosberg na Mercedes, a equipe inglesa oferece uma dupla em igualdade de posições e com possibilidade de trocar ganchos e pontos em busca do pote de ouro. Lando Norris, o mais experiente entre eles, tem talento para marcar o nome. Mas não tem tudo.

O campeonato, agora em recesso de meio de temporada, já passou por 14 das 24 etapas. Mais da metade, portanto, mas um tipo de 50% espiritual da história. Até aqui, Norris só terminou fora das primeiras posições em três oportunidades, enquanto Oscar Piastri escorregou cinco vezes. Os dois contam com o mesmo número de poles, quatro, e de pódios, 12. Mesmo assim, Lando liderou apenas enquanto durou o crédito que conquistou na abertura, na Austrália, quando venceu e um erro do companheiro de equipe o empurrou para o nono posto. Desde a Arábia Saudita, está atrás. São dez corridas e quatro meses.

[relacionadas]

E, antes que o leitor queira advertir que este escriba deixou fora da lista o número mais importante, que fique registrado. Sim, Piastri venceu mais vezes, seis, contra cinco de Lando. Mas não é sequer este o ponto. Vamos a ele, o ponto.

Norris não tem, ao menos nesta quadra da história que o ano 2025 oferece, uma desvantagem técnica para Piastri. Ao longo dos sete anos em que está na Fórmula 1, viveu diferentes níveis de cobrança e possibilidades pela McLaren. Chegou no começo da retomada, em 2019, e foi parte integrante no trabalho adotado desde então. Primeiro ao lado do mais veterano Carlos Sainz e, nos anos seguintes, como líder inconteste perto do vencedor de corridas Daniel Ricciardo.

Lando Norris e Oscar Piastri têm diferença pequena na F1 (Foto: McLaren)

A sequência de Ricciardo no esporte talvez diminuía o domínio que Norris teve sobre ele naqueles dois anos, mas é preciso lembrar que Daniel chegou à McLaren vindo de um ano em que viveu em estado de graça na Renault. Diferente do que se pensa, não era um piloto em derrocada quando se vestiu de laranja.

Norris foi ao pódio em todas as temporadas desde 2020, mesmo quando a McLaren não tinha, assim, carros de tanto destaque. Mostrou, ainda nos tempos de vacas magras, boa capacidade de classificação, velocidade para se adaptar aos carros, força para impor ultrapassagens e longos duelos para vender caro uma perda de posição, com direito até a elogio de Lewis Hamilton após duelo entre os dois em 2021. Naquele ano, Hamilton voltaria a elogiar e afirmar que Norris teria "muitas vitórias no caminho" após ficar no quase no GP da Rússia.

Vários destes predicados de Norris ficaram no caminho durante períodos dos últimos dois anos, quando passou a ter nas mãos um carro capaz de vencer e conquistar. É uma coisa estar no papel de franco-atirador, onde brilhar vez ou outra te coloca sob holofote de destaque. Quando o pelotão intermediário é o lar e o pódio, um encontro com o destino, fica sublinhado tudo aquilo que o piloto fez pontualmente. Quando a vitória é o que se espera, sempre se destaca tudo aquilo que não foi feito com qualidade e contundência. É assim que as coisas funcionam, e é assim que devem funcionar.

Nada disso, porém, é a característica que prova para mim, pessoalmente, que Norris é um piloto de enorme talento, como o público geral passou a duvidar, erroneamente, em tempos recentes. O que mais chama atenção é certa característica que todos os grandes pilotos apresentam: Norris raramente é um piloto lento no fim de semana.

Lando Norris ficou no quase e fez questão de abraçar Lewis Hamilton na Rússia, em 2021 (Foto: McLaren)

O que significa isso? Não necessariamente que sempre supera o companheiro de equipe, mas que mesmo em dias de amplas dificuldades está perto daquilo que seu carro pode entregar. Mesmo que o companheiro, seja Piastri ou qualquer outro, tire mais naquela pista ou naquele dia em particular. Norris pode errar na hora H1, mas quase nunca está distante assim, e talvez por isso a maior quantidade de top-2 neste ano seja algo realmente interessante de avaliar.

Mas a vida de um piloto é muito diferente quando alcança o cenário onírico de uma vida que é ter um carro campeão nas mãos. Dia desses, o contemporâneo George Russell admitiu a surpresa com o fato de, nos mesmos sete anos de F1, não ter tido sequer a chance de brigar, mesmo estando há quatro temporadas na Mercedes. E Charles Leclerc, há sete na Ferrari? Max Verstappen também demorou seis na Red Bull para poder lutar. A viabilidade da glória maior nunca foi prometida a ninguém, e pode ser que jamais apareça.

Para saltar no cavalo selado da conquista é necessário ter talento, claro, mas, acima de tudo, confiança. A confiança inabalável que Rosberg tinha para duelar com Hamilton usando qualquer meio necessário naqueles anos de 2014 até 2016, quando finalmente levou a melhor. Ou Jenson Button, em 2009, quando parecia que a esperança de um dia ser campeão já havia caído por terra em algum momento dos anos 2000. Confiança. A que Kimi Räikkönen teve para singrar a guerra interna de Hamilton e Fernando Alonso, mesmo que a McLaren tivesse um carro melhor em mãos em 2007.

É preciso acreditar, às vezes de maneira delirante, que você é capaz de ser campeão mundial com aquilo que tem, de carro e capacidade. E é aqui que a torre de babel de Lando Norris se desfaz como se a construção de barbante fosse. Quando é necessário confiar no taco de que o ataque vai render ultrapassagem, que a defesa pode terminar em vitória por desistência, que a apertar ao máximo na classificação vai render a melhor posição possível para vencer ou que jogar um tanto mais duro na primeira curva não vai virar abandono — ou, que, às vezes, alguns abandonos servem de declaração de força —, falta.

A versão 2025 de Heleninha Roitman, interpretada por Paolla Oliveira (Foto: Divulgação/TV Globo)

A maneira de se martirizar publicamente a cada percalço, de entrar em discussões via imprensa consigo mesmo e perdê-las, dá o tom do que falta, mais que qualquer coisa em Lando. A confiança de Norris é digna das terapias menos úteis de Heleninha Roitman.

Se você não sabe do que falamos, vamos para breve apresentação. Heleninha Roitman é clássica personagem da novela 'Vale Tudo', um clássico da teledramaturgia brasileira, exibida inicialmente em 1988 e que voltou à tona neste 2025, com versão remake. Tornada uma das personagens mais memoráveis da história da TV por Renata Sorrah, e agora nas mãos de Paolla Oliveira, Heleninha é uma artista formidável, inteligentíssima, culta, belíssima e poderosa por fazer parte de uma das mais ricas famílias do Brasil, herdeira de verdadeiro império. Mesmo assim, conta com uma das confianças mais frágeis já vistas na dramaturgia. A falta de fé no próprio taco faz com que desabe ao tilintar da primeira peça de cristal e acabe envolvida em problemas muito maiores.

Norris é meio Heleninha. Tem tudo, desde estabilidade profissional de alguém apoiado pela McLaren a partir dos primeiros anos de carreira, passando por grande talento e, agora, a chance de ser campeão. Mas não tem a confiança de que precisa agir, de que sabe quando agir ou de que agir é melhor que se esconder. Assim, tem dificuldades homéricas de sair da zona de conforto e acaba tocando a bola de lado.

São apenas nove pontos que o separam de Piastri e, com dez corridas ainda por vir, sobra tempo para recuperar. Então, por que é que cada vez menos dá para confiar que a recuperação virá? Norris venceu três das últimas quatro corridas após errar no Canadá e ficar distante. Mas, com as pontuações praticamente sobrepostas, consegue manter a sequência? Difícil crer que sim. Impossível ver a confiança que se exige.

A McLaren domina a F1 2025 completamente (Foto: McLaren)

Ainda tem 25 anos. Apesar da diferença em experiência, a idade não difere tanto dos 24 anos recém-completados de Piastri. É possível que, em algum momento do futuro, Norris seja mais maduro para lidar com a confiança e as possíveis desventuras que a vida oferece — fruto de família muito abastada, provavelmente não teve de lidar com tantas negativas assim antes da F1. Mas a chance de ser campeão mundial não é promessa, lembra? Muito menos que vá se apresentar múltiplas vezes ao longo de uma carreira.

Se a maturidade emocional não der um jeito de aparecer já, o crescimento do futuro pode vir tarde demais para colocá-lo no panteão dos imortais.

Fórmula 1 volta às pistas após o recesso de verão, entre os dias 29 e 31 de agosto, para o GP dos Países Baixos, em Zandvoort.

ANÁLISES:
▶️ F1 vive fase morna por domínio insosso da McLaren. Hamilton agoniza e Bortoleto reluz
▶️ Piastri esbanja consistência com McLaren e prova que F1 pode ter campeão digno em 2025
▶️ Gasly é oásis de competência para Alpine em situação de barril. E merece mais na F1
▶️ Colapinto inocenta Doohan, mas solução para Alpine passa longe do segundo cockpit
▶️ Ferrari tropeça nas próprias pernas ao fazer firula com carro de 2025 e volta a 2021

▶️ Inscreva-se nos dois canais do GRANDE PRÊMIO no YouTube: GP | GP2

DRUGOVICH RECEBE APOIO DE ALONSO POR VAGA NA F1 2026. SERÁ NA CADILLAC? | Paddock Sprint